sábado, 22 de maio de 2010

Vida artificial

Luiz era um sujeito engajado e bem sucedido. Bem formado, com estudos em centros acadêmicos de excelência. Vida regrada e reputação ilibada. Lá pels seus 40 e poucos anos, Luiz já tinha atingido um patamar de conforto material que lhe permitu se desempregar e trabalhar como Consultor.
Sua especialidade era resgatar unidades em dificuldades de grandes empresas que apresentavam destoantes das demais unidades que iam bem. Com isso, interagia com pessoas, identificava bons profissionais, desenvolvia potenciais e também, limava pessoas que não correspondiam Redesenhava processos e, muito rapidamente, captava a tecnologia e pesquisava alternativas mais modernas e de menor custo.
Pois bem. Um homem de sucesso. Um pouco desastrado nos casamentos e por vezes permissivo em suas próprias finanças. Mas, bonitão e educado, não lhe era muito problema conhecer pessoas interessantes e viver romances. Tinha a admiração de seus dois filhos. Enfim, uma vida no prumo, considerando os nossos  valores ocidentais.
Um belo dia, Luiz foi atravessar a Av. Rio Branco com Rua do Ouvidor e zap! ficou tudo branco.
Por momentos que é difícil precisar se foram minutos ou meses, tudo ficou branco, frio, congelado. Luiz não se sentia, como num coma ou como numa anestesia geral. Por vezes, tinha lapsos de lembrança de ter caído ao chão em algum lugar.
De repente, um sujeito enorme, de nariz adunco, expressão pouco feliz, casaco de couro de clube de motociclistas e pelo menos dois piercings visíveis. o cutucou e o despertou desta hibernação surreal. Luiz perguntou tudo: quem era o cidadão, onde estava, o que estava acontecendo e onde estava a gravata Hermés novinha dele. O tal sujeito muxoxava apenas. Eu sou um arcanjo. Você está num lugar maravilhoso e em breve o Chefe te contará o resto.
Arcanjo ? Lugar naravilhoso ? E a gravata ?
Horas de chá de cadeira e Luiz impaciente com aquilo. A iluminação era estranha. Tudo muito claro, em tons de azul. Havia um bebedouro e Luiz tomou vários copos d'água. Sentia-se bem. Aliás, pouco percebia de seu corpo, que ele enxergava mas lhe transmitia poucas sensacões.
De repente de novo, entra na sala outro sujeito grandão, moreno, de fala grave, mas menos mal-humorada e se apresentou. Sou Agostinho e estou aqui para levar você até o Chefe. Mas preciso lhe fazer algumas perguntas primeiro. Pode ser ?
Luiz não sentia outra alternativa, tinha de ser. Entrou numa sala que impressionou pela imponência e sentou-se em uma confortabilíssima cadeira.
Agostinho tomou seu lugar à mesa e lhe entregou um cartão "Agostinho de Hipona - Recrutamento e Seleção".
Luiz argumentou que não procurava emprego. Agostinho fez um sinal solene que significava um misto de "calma"e "é irrecusável".
Agostinho começou então seu discurso. Sr. Luiz, o senhor sabe que a leitura da Bíblia deve ser feita à luz do desenvolvimento do conhecimento do homem. Há 1800 anos atrás , suas mensagens eram entendidas quase literalemente. Hoje, lá na Terra a leitura deve ser outra...
Luiz não entendia nada.
Agostinho prossseguiu. Hoje o homem sabe que o Universo é infinito, que a Terra não é o centro de nada, e que se lá há catástrofes, no resto do Universo há algumas milhares simultâneas. Administrar, controlar, tentar evitar e se for o caso eliminar do Universo zonas problemáticas é o nosso trabalho. Fui escolhido para entrevistá-lo porque sou da Terra, fui guerreiro, frequentei muito meretrício, mas fui um homem que ao final da vida salvou uma cidade, e deixou um legado, que infelizmente deturparam. O Tomás, que tem uma sala ali na frente é meu desafeto, assim como esse sujeito novo que chegou aqui agora, um certo Woijtila. São ovelhas, quando aqui precisamos de pastores, líderes, homens de pulso....
Luiz entendia cada vez menos.
Bem, sr. Luiz. O senhor está no Céu e funcionamos como uma empresa. Recrutamos o senhor porque suas competências nos são interessantes. Eu sou um sujeito agressivo quando preciso. Frquentemente peço ao Chefe perdão pela falta de santidade, e ele aceita porque confia em mim. Tenho fibra. É de gente como o senhor que precisamos. Agora acompanhe-me que o Chefe está esperando.
Céu ? Empresa ? Raios...o que houve ? Luiz tinha dúvidas mas o principal ele já havia percebido. Ele tinha morrido e por algum motivo, o levaram ao Céu...mas aquilo era por demais confuso ainda.
A sala do Chefe era um pouco maior só que a de Agostinho, mas com decoração entre estilo Luís XIV e um moderno de muito bom gosto. Impressionante, de fato. Num painel ao lado, várias telas, com gráficos, imagens de estrelas, uma pequena da Terra, no momento focalizando Xangai. Vários iMacs bem espalhados em mesas assessórias e algumas outras pessoas, todas elas com rosto pouco expressivo e azuladas.
O Chefe trajava um terno tipo inglês muito bem cortado e ....uma gravate Hermés igual à que Luiz havia perdido no apagão ! Tinha expressão muito séria. Seríssima, na verdade. E um triângulo luminoso um pouco acima da cabeça. Era calvo, bem barbeado e não usava óculos. Sem meias-palavras começou sua fala.
Como vai, sr. Luiz, espero que tenha sido bem recebido. De fato, até essa conversa ainda não lhe proporcionamos todos os benefícios. Sou direcionador mas preservo muito o livre arbítrio e o senhor pode não aceitar minha proposta. Bem, em primeiro lugar gostaria de informar que sua vida terrena se encerrou há 18 dias, 3 horas e 12 minutos. O senhor foi acometido de um acidente vascular cerebral fulminante. Até pensamos em prolongar sua estada na Terra, pois o senhor ia muito bem, mas esses organismos que criamos por vezes não nos obedecem. Bem, por aqui tomamos conta do Universo todo. Somos uma organizacào enxuta e eficiente, afinal há bilhões de anos estamos em expansão. Nosso sucesso não tem precedentes nem comparações. Temos problemas de toda espécie. Tempo, buracos negros, equilíbrio de metais, criação de vida....
Neste momento, Luiz interrompeu. Criação de vida ? A teoria criacionista é então a verdadeira ?
O Chefe respondeu: que besteira Luiz, claro que não. Vida é Química, é um acidente. Mas sob determinadas situações, surge de forma vigorosa. Na Terra, seu planeta....
Luiz interrompeu de novo....meu planeta ? Existem outros com vida?
O Chefe começou a se mostrar ao mesmo tempo impaciente, mas percebia em Luiz uma estratégia para encostá-lo na parede: Sim, existem vários, com formas de vida muito diferentes da Terra. Para que o senhor não fique chocado, os seres que são chamados ao Céu após sua breve vida orgânica adquirem para o senhor um aspecto semelhante ao seu. Imagine se deparar no toilette com uma geléia andante, que tem três pênis e só faz grunhir. O senhor pensaria estar em nossa filial de maldades, que meu irmão administra, e com competência diga-se de passagem, pois administrar gente que não presta é muito mais difícil que boas pessoas. Mas esse sujeito gelatinoso é um ótimo caráter, trabalhador, teve uma vida correta em seu planeta e contexto e contribui enormemente para nossa Organizção. Bem, sr. Luiz...sei que tem muitas perguntas. Morrer é ruim. Meu filho me contou como é, tanto que desistiu de ficar morto no terceiro dia. Sei que há traumas, perguntas e muita confusão mental. Não se preocupe. O Dr. Agostinho é o responsável por sua adaptação aqui. Procuramos amenizar tudo e proporcionar-lhe o melhor, afinal só os melhores vem para o Céu. E soltou uma gargalhada que parecia um estrondo de um vulcão...o senhor será bem acolhido. temos belas acomodacões e várias possibilidades de viagens intergaláticas, receptores de imagens com 200.000.000 canais de televisão de diversos planetas - infelizmente, recentemente um sujeito que trouxemos da Terra, seu planeta, e que vocês lá chamam de Papa - Papa de que eu não sei -.e soltou outra gargalhada arrepiante - proibiu canais com sexo. Uma besteira que estou revendo porque a vida se reproduz com sexo, fui eu que bolei esta coisa e gosto muito,  mas enfim, o senhor passará por uns 15 dias de adapatação, com uma medicação celestial especial e estará pronto para começar suas tarefas. Neste ponto é que reside a pergunta mais importante. O senhor está disposto a trabalhar conosco ? Para isso, naturalmente, preciso descrever o que serão suas atribuições. A divisão do Universo é complexa. Em algumas regiões temos problemas de Física, em outras de Química., em outras de situações esdrúxulas que aparecem. O Universo funciona como seu livre arbítrio. Ele é autônomo. Os que dizem que governo tudo estão redondamente enganados. Eu controlo sim, e confesso, tenho alguns poderes.
Estamos atualmente com um crescimento vertiginoso de vida em um país periférico do que chamamos "zona do silício". Administraram mal as quotas de silício, criaram um deficit sério e o pior, há a ameaça de contaminação das "zonas de carbono"e das "zonas de berilo". Pretendo evitar um crash de alguns recursos como o oxigênio, por exemplo. Vocês lá na Terra por exemplo estão desrespeitando o equilíbrio de um monte de coisas....em breve teremos de interferir por lá....mas é um planeta menor e não nos preocupa tanto.
Neste ponto, Luiz pulou da cadeira. Como não ? Somos seis bilhões de pessoas, e a biodiversidade e os animais ? Como um planeta menor ?
Neste ponto, o Chefe foi duro. Sente aí e fique quieto. Você não tem a dimensão da Terra em comparação com outros problemas que temos. Meu filho esteve lá e voltou horrorizado. A Terra vai para o processo de redesenho em breve. Não disse que a abandonaria, mas que mudaremos muita coisa por lá, mudaremos. Usei como exemplo porque foi sua realidade. Basta.
Luiz tentou se acalmar mas foi difícil. Lembrou das gargalhadas em altíssimos decibéis e resolveu se aquietar. A propósito, o Chefe lhe ofereceu um chá, aceito, com um gosto ótimo e algum efeito calmante...
Então, continuou o Chefe, você foi escolhido entre 5.676.234 seres vivos como o recurso ideal para administrar esse conflito. É complicado, você terá de viajar por várias galáxias, nebulosas, e negociar com alguns seres que nem se comunicam ainda. Terá uma equipe de dois assessores especialistas, os Drs. Watson e Crick e resolvido o problema, lhe damos umas férias em Pebble Beach, na sua tão querida Terra. Depois você volta e teremos outra ocupacão.
Luiz não tinha muito a dizer. Tinha morrido. Fez duas perguntas:
- E se eu recusar ?
O Chefe, sorriu levemente e disse...teremos de rever seu processo todo e tentar encaixá-lo em outra coisa, ou então te mandarei fazer uma entrevista com meu irmão. Mas os problemas dele são mais difíceis, embora eu reconheca que ele tem a capacidade de recrutar semelhantes terráqueos como você muito melhor que nós.
E o salário e o lazer ?
O Chefe riu de novo....dinheiro aqui não existe. Você já pagou tudo na Terra. Aqui é meritocracia pura. O campo de golfe está lá, mas se não souber jogar direito os outros automaticamente te deixarào de lado....você arruma uma turma rápido. Olha, tem um bar chamado Beatrix que é muito bem frequentado. Fica na Nebulosa de Magalhães, como vocês chamam, Mas lá da Terra vocês não tem a mínima noção do tamanho que é o Universo...e tenho certeza que você descobrirá lugares interessantes. Teve um terráqueo, chamado Roger Dean, que não sei direito como, porque ainda não veio para cá, que fez desenhos muito bons de paisagens que você vai encontrar....como esse cara soube, nem desconfio.
Luiz desafiou. Mas não és onisciente e onipotente ?
O Chefe foi taxativo. Como posso ser onisciente ?. Você acha possível realmente pereceber o pensamento, digamos, só dos terráqueos como você, desde humanos até esponjas do mar ? Fala sério. Nem nosso departamento de pesquisa desenvolveu fibra ótica ou assemelhados para isso. Não que não saibamos. Se quiser faço um daqui a 45 minutos. Mas porque é chato.
Luiz perguntou algumas coisas de praxe. Onde ia morar e Missa por exemplo. Ele iria morar em Andrômeda em um belo recanto, com boa vizinhança e mulheres do planeta FGH315 que organizavam festas saudáveis e animadas. Quantoa à Missa, outra gargalhada estrondosa. "Missa é um ritual que não inventei, não pedi, não gosto, e acho falso". Mas tem o Tadeu aí, o Expedito, a Mônica que gostam...como disse, meu chapa...livre arbítrio aqui no Céu vale !"
Passaram-se os dias de adaptacão. Luiz estava começando a se ambientar. Agostinho era de muito bom humor, embora tivesse fixação no "pecado original" era o mais barulhento dos assessores de alto nível. Tomás era um chato e um tremendo puxa-saco do Chefe. Curioso foi conhecer Lutero. O cara fez a Reforma e estava no Céu. Os critérios do Céu levam em conta o bem do cidadão. Tinham uns sujeitos de outros planetas também muito agradáveis, como Gfrth-12, responsável pelo urânio e que vinha tendo um desempenho espetacular e virou seu melhor amigo. Enfim, tudo se adaptava.
O tarbalho começou. O problema era sério. A vida baseada em silício e não em carbono como a nossa é diferente. Os indivíduos são difíceis. O silício forma sequências moleculares mutantes, de forma que um indivíduo em um determinado momento tem uma idéia e dez segundos depois a ideia oposta. Luiz foi competente. Usou suas habilidades, viajou bastante e ao fim de um período que pode ir de 10 anos a cinco eras geológicas, já que no Céu prevalece a física de Einstein, as coisas estavam quase resolvidas. Luiz ia no Beatrix, estava namorando uma linda mulher de um planeta da galáxia de "Sombrero", chamada Elesig e sentia-se com sorte por ter ido para o Céu.
Até que chegou o dia de uma audiência com o Chefe.
Luiz foi munido de pastas, dados, informacões, entrevistas. Tomou o tradicional chá de cadeira. Entrou na sala do Chefe mas este estava visivelmente de maus-bofes.
Luiz começou a falar e o Chefe interrompeu. O triângulo acima de sua cabeça estava um pouco avermelhado, em vez do amarelo reluzente. Era visível seu mau-humor.
O Chefe pediu silêncio e nesse meio tempo Descartes veio falar com Luiz. Ele está furioso. No fundo é um pragmático mas gosta de ser cultuado. É o ego.
Luiz interrompeu: Ah, não...Deus tem ego ???
Descartes sorriu e disse: meu amigo, o maior de todos, afinal ele é o Chefe.
Luiz retrucou.Mas porque hoje ele está assim ?
Descartes apenas sussurrou: notícias ruins de alguns lugares, mas principalmente da Terra.
Luiz tremeu. Da Terra ??? E eu terráqueo....pensou em despistar.
Senhor, se desejar volto em outra hora.
O Chefe foi direto: não, de jeito algum, sente-se já aqui na minha frente e me conte.
Luiz começou o relato do trabalho e dos resultados. O Chefe interrompeu. E você acha que não sei ?
Luiz retrucou: dissestes que não é onisciente, vim reportar.
O Chefe explodiu: eu não sou onisciente porque não dou ouvido a besteiras. A vida na Terra é um lixo que vocês criaram e uma terrível dor de cabeça. Nem o planeta Desbund, onde quem vive lá parece que veio somente para me azucrinar, me ocupa tanto. Mas seu projeto eu sei do que foi feito e sei dos resultados. Aceite meus parabéns. Descartes, verificou o que pedi ?
Descartes respondeu: sim, na Terra andam tentando recriar partículas bóson e células artificiais. O sucesso é relativo por enquanto, mas eles estão num bom caminho.
O Chefe reclamou: maldito Darwin, malditos seus assessores Watson e Crick. Esta patente é minha. Minha, entenderam ? Não admito ser imitado. E esticou o braço em direcão a uma janela e se ouviu uma explosão ensurdecedora.
E continuou: bem, Luiz, bom trabalho. Você irá agora escolher onde quer passar um tempinho, fale com nosso coordenador de espaço-tempo, o Dr. Albert para ver seus direitos. Eu sugiro Pebble Beach, lá naquela droga de Terra mesmo. Vc se adaptará rápido e podemos arranjar o corpo de um golfista bonitão para você.
Luiz estava chocado. O ego ! Deus tinha ego pronunciado, dominante, doente...
Engoliu em seco e resolveu perguntar: Chefe, é possível trocar essas férias por um retorno a dez minutos antes de meu desmaio na rua e observar um pouco a vida das pessoas próximas na minha ausência ? Não teria um corpo humano, posso voltar até como um Labrador, mas quero ver como ficaram meus filhos, meus amigos, faz trilhões de anos que não sei.
O Chefe coçou a cabeça e chamou o arcanjo Gabriel. Cochichou um pouco, acalmou o semblante e no meio da raiva soltou até um sorriso: é um pedido novo para nós. Tivemos alguns casos de erros. Reencarnação é mais complicado, tenho que consultar o Departamento do Allan Kardec e você voltaria em seu próprio corpo só por dez minutos, depois teríamos de transferi-lo. Gabriel, pesquise um corpo para o Sr, Luiz, depois de morrer, poder obsrevar um pouco a vida naquela pocilga que está a Terra.
Agora, Sr. Luiz devo avisá-lo que sua memória ao ocupar outro corpo será prejudicada. Quer arriscar assim mesmo..?..bem, o pior que pode aconteer é daqui a um tempo voltares.
Gabriel aquiesceu.
O Chefe fez um sinal, dispensou Luiz e ele saiu da sala. Falou com Agostinho. Agostinho se fez de bobo, mas percebeu o que Luiz queria. Assinou os documentos todos, recolheu as assinaturas ( Tomás se recusou mas acabou cedendo) e disse: prepare-se. A volta não é indolor. Quando chegar na Terra sentirás falta de paz, de tranquilidade e isso pode provocar transtornos físicos. Deite-se no ambulatório. A enfermeira Ana lhe dará um placebo celestial e pronto. Até a volta. Aproveite.
Luiz voltou a 500 mts de onde caiu na rua. Correu a um hospital e conversou com um amigo. Os dez minutos, que o Chefe deixou passar despercebido, estavam terminando. O amigo colcocou-lhe numa UTI, mesmo sem sentir nada. O AVC veio mas os recursos estavam ao alcance. Luiz levou duas semanas para se recuperar. Quando acordou do coma induzido, estava em seu corpo. Teve alta do hospital, fez mais exames e afastou o risco de outro AVC.
Luiz viveu na Terra ainda por duas décadas, em seu corpo.
Pensava sempre nas doenças do ego. Se até Deus tinha um ego pronunciado, era lícito manifestá-lo de vez em quando.
Perecebeu que teorias complexas sobre Deus são uma besteira. O Universo é exato, a ciência, no fundo governa, embora a Fé e as coisas místicas não deixem de existir.
Um dia, Luiz morreu de novo. Encontrou Agostinho, rindo muito. Agostinho disse que o Chefe o estaria esperando e que sua agenda seria bloqueada caso aparecesse. O Chefe o recebeu. O triângulo luminoso estava radiantemente amarelo brilhante.
O Chefe então disse: "foste o primeiro a me burlar assim. Não fosse pelas risadinhas de Descartes  e Agostinho eu teria, em um momento de mais calma, te admirado. Entendi sua atitude e peço que entenda a minha agora. Eu, neste posto em que estou, não tive carreira, não tive opção. E, contrariamente ao que eu queria, fui considerado Todo-Poderoso. De fato, tenho poderes que para um terráqueo como voce, remonta à onipotência. Em outras civilizações, meu papel é o de um gerente. Na Terra, vocês me colocaram no lugar de Pai. Não quero e não sou merecedor desse patriarcado. Eu não posso me responsabilizar por tudo que lá acontece. Me colocaram como Deus, quando não sou. Como viste, na Terra, aqui e no Universo, prevalece o livre arbítrio. Isso é a Verdade."
E continuou:
"Apesar de tudo, o que fizestes foi burlar uma regra minha. Não ficarás aqui. Irá para a casa de meu irmão. Não há sofrimento físico lá, mas garanto-lhe que aqui, com minhas falhas é melhor. Não posso fazer diferente."
Luiz enfezou-se e pela primeira vez diante do Chefe. "Estou farto de sua auto-propaganda, de sua aceitacão ao que dizes não querer ser. Mande-me para onde for que tiver. Essa regra é de quem ? Sua, provavelmente. E eu te digo, obrigado por me fazer saber que Deus não quer ser Deus, é onipotente, mas não larga o osso, tem suas regras e seus castigos. Deixou-se levar pelo povo de um planeta. É tolo, vaidoso e se deixa dominar pelo ego. Tem medo de ser copiado ou substituído. Considero-o um excelente gerente, um executivo brilhante, nada mais que isso. Essa vida eu levei na Terra. É hora de ver algo novo."
Deus, constrangido, se despediu.

8 comentários:

  1. Realmente excelente...Uma surpresa pois não sabia desse seu dom! Gostoso de se ler, bem-humorado e cheio de estilo. Do início ao fim um passeio pelo anseio e suposição do que existe de fato depois que deixamos de habitar esse corpo. Negar esse Deus a nossa imagem e semelhança e de alguma maneira expulsá-lo de sua imagem mental é uma libertação de um espírito que se reconhece infinito e aberto a uma eternidade de novas experiências e que se nega a permanecer escravo desse padrão psicótico que a maioria aceita sem questionar. E fez ele muito bem burlando o Chefe e retornando para viver por mais 20 anos e quando retornou para se confrontar novamente com o Chefe já tinha uma visão perfeita da grandeza e magia da vida. Aceitar como egóica a natureza dos que simplesmente ditam regras e impõem valores, negando para sempre esse Chefe e fazendo-o demitir-se de sua janela mental, traz a tona o viver no self. Logo, não importa aonde estejamos, se no Céu, na Terra ou a caminho de um novo referencial esférico, o mais importante é estarmos livres para sermos itegralmente nós mesmos a cada instante de pura existência!
    Parabéns por dividir conosco sua visão do que podemos chamar de essencial.
    De uma essencialista assumida....
    Bjs
    Christina Thedim

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  2. Carla Lourenção Tallarico25 de maio de 2010 às 16:05

    gostei muito!!! um humor com tom ironico, metaforico e muito inteligente... parabens!!!!
    bjs Carla Lourenção Tallarico

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  3. Ué, jurei que tinha postado um comentário aqui...
    .
    Giorgio

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  4. Gostei muito e sempre soube que você tinha dom para escrever, mas este texto esta maravilhoso, tenho apenas um aperguntinha para fazer, mas prefiro ao vivo...

    Abraços,

    Daniel

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  5. Nossa!!! Que visão extraordinária e original ... Achei o texto sensacional

    Bjs

    Adriana Raftopoulos

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  6. Show...perfeita a visao do pos morte!!! Bons ventos Luiz Otavio! Forças na nova viagem e retorno! Sinta se abracado!

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  7. Show...perfeita a visao do pos morte!!! Bons ventos Luiz Otavio! Forças na nova viagem e retorno! Sinta se abracado! Lucimar

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